quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Permaneço. 46. Cinco anjos.


Dois mundos não pode ser. Um dual do outro nem pensar. Tinha sido ali o fogo primeiro, sobre o qual uma brincadeira. Crianças irreverentes, aros, ferros, elásticos, daqueles grossos, com vês a suportar e depois algodão, pedras dói, e a lama fina que se desprendia do relvado à medida que a água. Ai os limões, ai se pudesse, e o gelo, Deus o gelo tão gelado no fogo, quente ou frio afinal, tudo o que a terra dá tem fogo de permeio, não tem explicação, a luz foi-se vêm os luzeiros que se acendem e o fogo é outro é sempre o outro, mãe por que se repete tudo, não repete são dois mundos, mas mãe, deixa isso, o carrinho no chão tudo desarrumado. Por que são mulheres estes anjos, donde vimos os anjos são femininos, e as fadas, não há fadas donde vimos. E no entanto cinco.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Permaneço. 45. As lebres batem os aviões


Olha as coisas lá em baixo pressurosas sem foco nem figura que parecem fugir! Vão rápidos os aviões sobre os mares de nós, das lágrimas não choradas, dos muitos barcos, dos que nos acenam boas vindas e despedidas. Passam lá bem em cima e só os vemos se olharmos. De repente, a lebre por mim, o chão em baixo e no fim sem chão, a orelhuda criatura a voar rasante sobre tudo aquilo que sempre me pareceu terra firme, quase a arrancado com os poucos e leves toques que lhes dá, diria que indispensáveis. Ai, as lebres batem os aviões. Batem batem!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Permaneço. 44. Acabaram-se as cartas de amor.


Não há mais lugar para a expectativa, a que horas virá o carteiro buscar esta carta que agora entrego. Não há mais contas de cabeça para os dias que tardarão até que do outro lado surja a moção de uma resposta. Nem de imaginar se o perfume, as lágrimas, a bondade que pusemos naquele envelope chegarão intactos às outras mãos, que são as que queremos e não temos.

Mesmo neste momento complexo, em que me roubam este marco do correio, sinto em mim a glória das cartas de amor que escrevi e recebi.

Penso que ninguém vai sentir a falta deste marco, mais um, a que arrancam agora as raizes. Afinal, quem escreve ainda cartas de amor?

domingo, 18 de novembro de 2012

Permaneço. 43. De repente, uma mulher


A escala perfeita desenhada pelos degraus em caracol é, no percurso descendente do topo do farol interrompido. Uma mulher dobrada sobre si própria está ali, feita concha, e não deixa passar. É fotografia inevitável, é admiração, é abismo.

É também silêncio.

"Aprende-se com o belo a falar baixinho".

Permaneço. 42. A idade do mar.

Tudo é mais novo que a areia e a rocha é de todas as coisas do mar a mais nova. A idade do mar é a do mundo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Permaneço. 41. Carta inesperada.

"Acordei cheinha de saudades dos meus amigos. Por cada saudade como se fossem papelinhos com nomes a sair de um chapéu, por cada saudade um pestanejar de olhos razos de agua mas logo logo uma memória que traz um sorriso e me envolve numa manta de carinho.

Há momentos assim, como se estivesse frente à lareira a desfolhar um álbum de fotos antigas.

Os amigos que preencheram a minha vida de momentos e pintaram de cores garridas os meus dias.

Desfio as lembranças e se bem que há momentos de dor e agonias mundanas, enlevo-me na recordação dos sorrisos e dos gestos maravilhosos que pude assistir, partilhar.

Deixando que tocassem a minha alma sem dar conta deixei que a permanência do melhor de cada um hoje brotasse em mim como uma onda de carinho."

sábado, 13 de outubro de 2012

Permaneço. 40. De elétrico para a Graça.



Não há janelas num mundo sem luz. Nada entra nem sai, onde as trevas se impõem. Mas quanto se deseja uma, quando o mesmo espectáculo se oferece, a cada passo que se dá. Vai-se vivendo ou morrendo, quem sabe o que o futuro nos oferece, ou se nos é oferecido o futuro e não queremos olhar para ele.

De dentro para fora, é tudo num homem que se conhece, e de tudo passa para uma coisa pequenina, quando lhe parece vislumbrar uma janela, só não vê de quê, uma casa, o mundo , um eléctrico, é um eléctrico sim, que o vai levar à janela, ou onde vai com a sua janela, a escorregar irresponsavelmente num caminho a subir em vez de a descer, ao contrário de tudo o que indicam como o que deve ser.

No eléctrico, sim, encontra uma vendedora de flores, não quer uma, não obrigado, não teria onde a pôr, mas quem lhe disse que se a quisesse eu lha vendia, porque não, porque tem significado nulo a flor colhida de um bocejo. Sorria quando quiser uma flor, e eu logo lha darei, a troco de nada, só para o ver feliz; a quem a dava, dava o quê, a flor, raios, que longa vai a conversa e tão simples que devia ter sido não fôssemos nós a pensar tanto em tudo o que não somos nós, e o eléctrico já a chegar ao cimo, saímos e passeamos, não, eu não posso abandonar o eléctrico, porquê, se não aceita a flor não fico admirada que não aceite as minhas razões, chama a isto razões, não, chamo razões às que fazem com que eu queira ficar no eléctrico e o senhor comigo, até vê-lo desejar uma flor.

O silêncio durou um pouco primeiro, depois cada vez mais, depois mais ainda, e dois dias depois era o silêncio que reinava, quando ele fez o primeiro gesto, como se se quisesse pôr de pé. Mas não, levantou só a cabeça, nem reparou que já não estava lá ninguém, no eléctrico nem lá fora porque já não tinha a sua janela para se refrescar.

No choro em que rompeu alagou o mundo, e a ele, tudo molhado mas seco para ele, as lágrimas secam muito mesmo quando se tem bom coração, não quero secar disse para dentro, que não se atrevia a falar, pelo menos enquanto tenho esta esperança, mas que esperança, parecia-lhe dizer a água, a de me encontrar, e fazer vibrar o meu coração como sempre quis, e agora sei. Mas que podes saber, de ti para ti, que pelo menos há uma flor para mim, e que vês na flor, a voz da água parecia materializar-se cada vez mais, é a minha sobrevivência, a certeza de não soçobrar, as minhas janelas todas, o meu palácio, e esperas tudo isso de uma flor, não espero, sinto que é mesmo assim, então olha para mim.

De cabelo mais curto, mais sedoso, vestida de fada e quente como uma pedra ao rubro, oferecia-lhe a vendedora de flores a sua flor, que depois de oferecida se fez numa luz que sorrindo nunca se tinha visto, secou tudo, temos que ir, o eléctrico que decida, e andou, começando a marcha descendente, quanto tempo estivemos ali, nenhum, não passou tempo nenhum, não te importes com isso, que não há tempo na eternidade.

Desceram mas não voltaram para de onde vieram, giravam agora em torno de todos os que lhes faziam falta e, peças imobilizadas mas com vida, lhes acenavam com movimentos dos olhos. Quanta paz, quanto descanso, quanta segurança nestas voltas todas! É para sempre?

É para sempre.

Permaneço. 39. Vinho e música


Notas soltas para harmonização de vinhos e música.

Há pontes evidentes entre música e vinho e todas elas decorrem da característica intrinsecamente vibratória da música. Os aspectos harmónicos e inarmónicos da vibração ocorrem também dentro do vinho. Qualquer líquido ou sólido a transportam de forma imanente e única. A própria molécula elementar tem uma vibração latente entre os seus átomos que definem tanto o seu estado energético como o comportamento numa reacção química. Por outro lado, o estímulo da vibração induz nos líquidos alterações que são objecto de estudo e caracterização. O vinho é particularmente sensível ao estímulo vibratório. Uma cave de vinhos na qual queremos estagiar e manter os nossos vinhos por muitos e bons anos deve, por isso mesmo, ser imune à vibração e sobretudo não ter, ela própria, um ambiente demasiado vibratório. Os armários climatizados para vinhos que hoje se vendem e aos quais confiamos as nossas mais preciosas garrafas, garantem não só temperatura e humidade constantes, mas também ausência de vibração. Isto faz com que os vinhos evoluam tranquilamente, de acordo com os seus componentes e perfil, em vez de por estímulos exteriores.

Vinho é complexidade. Aromas, sabores, sensações, entrada de boca, meio de boca, fim de boca, retronasais, bouquet, são inúmeras as portas de entrada de um bom vinho. Podem, por isso, ser eles próprios estados de alma. E como sabemos que é verdade que um mesmo vinho há dias que nos apetece, contra outros em que não nos apetece nada. Um pouco como as relações entre as pessoas, que conhecem melhores e piores dias consoante os ânimos e os astros, apesar de as pessoas serem as mesmas (serão?...)

Eu tenho particular dificuldade em não pensar em que vinho me evoca a voz de alguém que acabo de conhecer. Reconheço no timbre, intensidade, aresta, rugosidade e flutuações da voz características que são quase directamente transponíveis, sem mais, para o ambiente conjunto de taninos e acidez de um vinho. Uma voz esganiçada é um vinho com taninos muito verdes sobre os quais cai uma acidez desequilibrada. Já uma voz de peito e doce, como é a voz de uma mãe, evoca taninos muito finos, com uma acidez escondida, quase imperceptível. A voz do pai, essa é normalmente “feita” de taninos redondos, maduros, suportando uma acidez maior, pelo ambiente também ele maior.

Os estudos musicais para que os meus pais me conduziram na infância e na juventude foram causa de dor e sofrimento, ligados ao sentimento geral de “não ser capaz” que só não experimentou quem nunca se dedicou a um instrumento. Passados alguns anos deram contudo numa fonte de grande prazer, partilhado com outros. A minha relação com o piano é bonita e cabe nela praticamente todo o meu mundo. Toco mal, mas tenho um gozo tremendo a tocar, e aproveito para pôr a conversa em dia com pessoas que não tenho mais ao pé de mim. Os cerca de 10 anos que dediquei ao órgão de tubos de S. Domingos, por motivos imprevistos e que ainda hoje não sei explicar, que não seja pela insistência de um grande amigo dominicano, Frei José João, ensinaram-me ainda mais um mundo todo. A função dos metais, do sopro e dos grandes bordões graves do que é talvez o instrumento musical mais poderoso de todos.

Mas mais importante não é tocar, é saber ouvir. Aprender a ouvir, percebendo o que está a acontecer à nossa volta. A música aprende-se. O vinho é exactamente a mesma coisa, também se aprende a apreciar. Música e vinho são ambos assunto de aperfeiçoamento para uma vida inteira. E não há melhor forma de o fazer do que praticando.

Permaneço. 38. As separações e o eterno.

As pessoas gostam umas das outras e afastam-se. Então depois de se afastarem lamentam a distância. Finalmente, desejam de coração voltar a estar juntas. Mas nunca voltam. Quase cómico.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Permaneço. 37. Estar num lugar

Estar num lugar é permanecer junto a todos os seus vazios. E ser tolerado por eles. O vazio é por isso o que ocupa mais espaço. Nenhures é o tempo em que me encontro. Tornei-me ortogonal e vivo dentro da assimetria.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

sábado, 6 de outubro de 2012

Permaneço. 35. Sonho preso e acordado.

O drama do intervalo, a ideia de não haver tempo, a Avenue Louise demasiado grande, e ter de a fazer duas vezes, e perceber que não vou conseguir, mas o convite era tão simples, papel pequeno deixado na portaria, eu não posso ir mas acho que te fazia bem, e mais de 800 páginas a um espaço para rever em quatro línguas, e acho que vou preciso de parar, juro que quatro, mas vou. Finalmente o conservatório e as pessoas todas não conheço ninguém, ninguém aqui, só cheiros desconhecidos, ainda bem mas nem combinei jantar com ninguém e outros dois convites e um deles tinha pelo menos de ser declinado. E meia hora atrasado, Rach 3 meia hora depois dará em quê, e de repente o veludo vermelho vazio que restava e tu lá em baixo, nuvem pequenina despenteada já, nem tocava nos teus ombros, e o rendilhado perfeito e tudo, parecia drama ensaiado à antiga, tudo misturado novo e antigo, e o quase desmaio e no fim a sala vazia, e depois não sei. Tudo tu, Bruxelas deixou de ser. E preso a ti. Juro que nuvem despenteada.

Permaneço. 34. Quem vive a vida I.

Não é verdade. Eu ligo eu digo eu liguei eu não disse, eu nunca disse deves-te lembrar do que disse eu lembro-me como se fosse hoje. Respiramos o tempo, digerimos o nosso autismo e o resultado é o ser individualista, que nem espelho admite, portanto imagem própria sequer, que sistematicamente se verte sobre si próprio. Regressa a si sem nunca de si ter saído. Difícil, escrever com a Patética nos ouvidos, a puxar-me tanto para dentro também a mim, para o meu piano e para o aconchego das horas sem fim a ensaiar para os improváveis e dispensáveis concertos de outrora. Por outro lado, à medida que o texto anda anda o tempo também e os dedos neste teclado que me resta mas no qual me satisfaço tanto ou mais do que no outro, tapete mágico preto e branco que me levava para nunca. Deste texto sai música que nem é minha, mas que não existe sem que eu percuta as teclas desta espécie de acordeão plano. Que é o tempo, que é este tempo, e quanto tempo é aquele que me roubaste, me roubaram ou me deram e tiraram. Penso que não é admissível viver de memórias, e totalmente inadmissível viver de memórias do que não se teve. Segundo andamento, quanto custa saber como tudo acaba e mesmo assim não conseguir resistir a fazer a música sair dos dedos. E acaba mal. Acaba sempre mal. Morre-se. Termina. Dói muito de dor imensa. Era tão menino quando aprendi a Patética e sonhei tantas vezes que no fim havia um par de braços incondicionais a abraçar-me e envolver-me. Que nunca houve. É preciso descobrir quem vive a vida intensamente, a ponto de se sentir amparo e amparado – fim último da vida – e ao mesmo tempo profundamente realizado. Imaginei que seria um abraço forte e apertado aquele que me daria uma vida inteira a viver. Talvez seja. Mas envolve-me tão mais a luz da tua presença, apesar de não te ver há tanto tempo. Então, para que serve negação? Para quem a mentira.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Permaneço. 33. A Verdade é Amor.

"A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade."

Vergílio Ferreira, in "Pensar"

Permaneço. 32. Palavra que rio.


aqui passa um rio que é todos. O meu pequeno jardim é barco. Prendo-o bem nesta margem para que o vento que sopra nas velas faça mover as águas e me traga aqui a força. Palavra que vento. Palavra que rio.

domingo, 30 de setembro de 2012

Permaneço. 31. Risco a-risco e arrisco.


"Disseram-me que as secções dos troncos contam a história da árvore. Deste ramo em que observo, vejo um livro totalmente fechado. Um desenho infantil que tenta esboçar a ilusão de ver melhor."

Estamos todos errados.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Permaneço. 29.

Para ti, que estás AQUI.

"Cuidado na viagem, espero-te."


Nunca mais

Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.

E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.

(Sophia)

Permaneço. 28.


São muitos os corredores da vida, todos bizarros na sua essência. Os que queremos perto viajam em corredores ortogonais aos nossos, e os siderais quase nos tocam. Tudo parece inevitável. Hoje gostava que alguém desse um recado especial a alguém e recebesse de volta o brilho do Branco.
Recado para um dia de chuva, em que forçosamente nos concentramos no chão que pisamos ao andar.

Permaneço. 27.

Numa parede roubada lemos:

"É tão pouco o que me faz ficar, mas é preciso tanto para partir!"

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Permaneço. 26.


"Aproximou-se para sentir, só, mas mexeu. Brincou como uma criança mimada, como se tudo e tu lhe pertencessem, e deixou um cenário devastador, que irresponsavelmente abandonou".

domingo, 23 de setembro de 2012

Permaneço. 25.


Na água cristalina, como no espaço sideral, no âmago imponderável. Impossível contrariar a nossa natureza.

Com Hölderlin de novo sentado ao meu lado, dizendo "Deuses andaram outrora..."

Deuses andaram outrora entre os homens, as Musas magníficas
E o jovem Apolo, sarando, inspirando, como tu;
E tu és para mim como eles, como se um dos Venturosos
Me tivesse mandado prá Vida: se eu ando, anda comigo
A imagem da minha Heroína, quando sofro e crio, com amor
Até à morte; pois isto foi que aprendi dela e dela tenho.

Vivamos, pois, ó tu com quem eu sofro, tu com quem
Íntima - e crente - e fielmente luto por tempo mais belo.
Pois nós somos! E se em anos vindouros ainda soubessem
De nós ambos, quando outra vez o Génio valer,
Diriam: "Estes solitários criaram pra si em amor,
Só sabido dos Deuses, o seu mais secreto mundo.
Pois os que só do que morre cuidaram, a terra os recebe;
Mas mais se aproximam da Luz e do Éter
Os que, fiéis ao íntimo amor e ao divino espírito,
Esperando e sofrendo e com calma o Destino venceram."

sábado, 22 de setembro de 2012

Permaneço. 24.

É admirável, o longe que as nossas mãos alcançam. Martírio por não ter. Saúdo agora o silêncio absoluto.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Permaneço. 23.

Os dedos entram e saem da pedra, intactos e inviolados. Fica tudo como estava, tirando o movimento em si, que acumula compassos como se de um contador se tratasse. Relógio de areia maquinado por ser humano, paragem misteriosa que não rende distância mas antes ciclos. As arestas das pirâmides foram limadas pelo tempo do lado de fora e acabadas por mãos sábias do lado de dentro. Gárgulas, cordas arcos tubos tudo dentro dos blocos que não deixam ver. Normal que assim seja, é por isso que o corpo dos crentes venera a pedra e traz a cruz ao peito. A pedra é futuro, a cruz é passado. A pedra obriga a ver, a cruz força os olhos a fechar-se. E é na pedra que descubro o futuro dos antigos por que ainda não passámos, latim dizem eles soberbos, fixando-se apenas nas catedrais. Vinhetas insólitas cinzeladas pelos dedos que entram e saem, duas vezes furo três vezes relevo quatro depressão etc. Calcula-se assim exactamente o tempo gasto em cada detalhe, em cada pequeno fruto suspenso daquele pomar que na pedra tumular representa a própria vida e isso é a pedra. Dentro de facto decorre a transformação do alabastro na essência de que são feitas as almas, na areia mais fina, que se respira e nos restaura a profunda alegria que representa viver. A pedra é vida em estado puro, imanente e transmutante. Os seus átomos vibram sem cessar numa dança fecunda e imparável, quase ritual. Há dedos de gigante por isso, deve haver!, que entram e saem também eles numa pedra maior, angular. Saiu a certa altura a cruz de madeira como se fosse mais leve e transportável para cumprir o suposto desígnio do cristo. Falácia histórica, catástrofe de leitura dos tempos. Foi a pedra que fez do maduro Jesus o Cristo, nunca o madeiro da cruz onde o cravaram. Este serviu para duas coisas apenas, instalar a bicharia que transforma a madeira em nada defecando-a, e ser ostentação de reis e senhores na forma de ridículos e muito mortos pedaços. Pensar que foram tão longe os cavaleiros alvos e que inventaram a lógica do madeiro do último suspiro do cristo para não reconhecer que tudo tinha sido em vão. São vaidosos os homens, os puritanos sobretudo. Mas foi tudo em vão na terra santa, vaidade alguma saiu vitoriosa no processo do cristo. A pedra sim, venceu. O túmulo preparado por José de Arimateia continha dentro a matéria viva que vive também nas angulares das pirâmides, fervilhantes de ansiedade, por fora a lisura preparada pelo tempo. A colossal tampa saiu do seu encaixe pela mão do gigante, a alquimia dos antigos fê-lo voejar em direção a tempos diversos, e começou o cristianismo. Não na cruz, nunca na cruz. Na pedra, sempre na pedra. O nosso cristo, o adorável cristo, o prodigioso cristo, ressuscitou na pedra de Arimateia, discípulo fiel dos reis magos, o mesmo que nos trinta anos de oriente fez do menino depois jovem depois homem o santo mais esclarecido da história. 

Escandaloso José, depois do outro, o pai do cristo, ter aceite entregar o seu filho, à turba e ao destino. Este de Arimateia, assistiu sempre a tudo. Nunc Dimitis no templo, ao lado de Maria depois, colado a Maria Madalena para a eternidade. Sombra mística, glosada depois na gruta luminosa que absorveu o salvador para o cosmos. Não me importava que fosse o José-pai, silencioso sofredor, o único homem de fé ao lado de todos os outros que até hoje a professaram. Que fazia ele ali, nos diversos ali que nos foram transmitidos, tantos lugares, tanto segredo? O mesmo José que interpelou os caminheiros de emaús, o mesmo José que mandou cumprimentos para o amoroso João da Cruz, através dos seus coadjutores, o mesmo José que soube da tragédia do fim do seu filho e impotente e com paciência superou, luz da fé infinita, o mesmo José que entrava e saía dentre os grandes do seu tempo e templo como se fosse portador de salvo-conduto sagrado, sacramento, mas o mesmo José que nada sabia, o mesmo José que nunca conseguiu perceber.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Permaneço. 22.


Pergunto ao vento sueste onde desemboca toda esta água. Com os meus olhos fixos no norte, sinto o calor de mãos gigantes de areia. Sem reflectir, encaminho-me mecanicamente para perto da passagem. Uma vida que clama por ser vivida.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Permaneço. 21.

Se o mar é azul, as luas são de prata, as lágrimas transparentes e a memória dourada, de que cor são as saudades? Amêndoa prateada? E onde as devo pintar? No chão em que ajoelho?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Permaneço. 20.



Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem
(Sophia)


Falhei. Sempre falhei. Palavra que sempre.

Permaneço. 19.

Permaneço. 19.

Para onde vão as lágrimas que não se consegue chorar?

quinta-feira, 13 de setembro de 2012


Permaneço. 18.

Não é a água que é membrana, nem há membrana. As fronteiras não existem mais, e a dor do intervalo instala-se. Sou assombrado pela imagem que no espelho insistentemente me desafia. Quero entrar mas às vezes dói. Juramento. Pirâmide.
Permaneço. 17.

Gosto mais de nenhures que de algures. Nenhures diz-me exactamente que não, algures fá-lo adivinhar. Prossegue vagarosa a marcha nestes corredores concêntricos.