segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Para João Lobo Antunes

In memoriam, dois anos depois da sua morte


João Lobo Antunes
Nada nem ninguém segura uma pessoa quando o destino e a morte a reclamam de forma veemente. A Mafalda escapou-se-nos por entre os dedos em Agosto de 88, com um aneurisma no tronco central do cérebro, no Hospital de S. José. As primeiras mãos em que toquei, o primeiro beijo, a primeira casa, o casamento daí a três meses. Tentámos encontrar o João LA mas ele estava de férias. O Dr. Resina Rodrigues, irmão do meu grande professor Pe. João Resina Rodrigues, foi-se dando por vencido, ao perceber a sua impotência no caso. Era inoperável. Anos mais tarde calhou-me a mim a sorte das urgências da CUF, com suspeita de tumor cerebral. Já conhecia o João LA melhor, entrevistei-o duas vezes e convivi com dois irmãos seus. No meio do que me pareceu uma trombose, saí para a rua a arrastar uma das pernas, meti-me num táxi e fui para a CUF. Não queria repetir o insucesso em encontrar o João LA no caso da Mafalda. E lá estava ele à minha espera, eu paralisado já do lado direito, boca à banda. Olhou para a TAC e falou comigo. Se tens um tumor temos de tirar, mas eu penso que não tens. Para já, tens de sair para sempre do sítio e das pessoas que te fizeram isto. Deu-me um papel e uma caneta para escrever o meu nome e eu não consegui nem a primeira letra. Um mês longe de casa, bem longe arranjar uma nova vida em Lisboa. Depois chamou a mulher com quem eu estava casado e perguntou-lhe o que é que você lhe fez. Fui para Guimarães e nas minhas costas ela fez-me o pior, estabeleceu as bases da minha ruína sem qualquer pudor. O João LA chegou lá primeiro, depois aprendi a viver com a hidrocefalia que pelos vistos tenho desde que nasci. Não sei se estou a faltar-lhe nalguma coisa por estar a revelar pela primeira vez uma conversa privada, mas é a forma que encontro para fazer uma homenagem ao médico gigante e ao grande amigo que soube ser. Encontramo-nos aí em cima, João. Obrigado.