sábado, 10 de maio de 2014

Alexandra

AlexandraHá pequenas aves que têm raízes nas palavras, 
essas palavras que não ficam arrumadas com decência 
na literatura, 
palavras de amantes sem amor, gente que sofre
e a quem falta o ar quando faltam as palavras. 
Quando digo o teu nome há uma ave que levanta voo 
como se tivesse nascido o dia e uma brisa 
encarcerada nas amêndoas se soltasse para a impelir 
para o mais frio, para o mais alto, para o mais azul. 
Quando volto para casa o teu nome vai comigo 
e ao mesmo tempo espera-me já 
numa casa construída com dois nomes, 
como se tivesse duas frentes, 
uma para a montanha e outra para o mar. 
Por vezes dou-te o meu nome e fico com o teu, 
espreito então pelas janelas de onde 
se vêem coisas que nunca antes tinha visto, 
coisas que adivinhava mas que não sabia, 
coisas que sempre soube mas que nunca quis olhar. 
Nessas alturas o meu nome é o teu olhar, 
e os meus olhos são justamente a pronúncia do 
teu nome que se diz com um pequeno brilho molhado, 
um som pequeno como um roçagar de asas 
dessas aves que constroem o ninho na folhagem da fala 
e criam raízes fundas nas palavras vulgares 
que os vulgares amantes engrandecem 
quando falam de amor. 

Joaquim Pessoa, in 'Guardar o Fogo' 


sexta-feira, 2 de maio de 2014

O mundo aos pés da saudade

"Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno!" (Baudelaire)

Sempre me pareceste gigante e sempre achei que te afastarias. Afinal não, estás perto, muito perto. Afinal estiveste sempre aqui. Rodando no teu eixo, imponderável, como fazem os planetas. A saudade é tudo. Palavra que gigante.