quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Permaneço. 45. As lebres batem os aviões


Olha as coisas lá em baixo pressurosas sem foco nem figura que parecem fugir! Vão rápidos os aviões sobre os mares de nós, das lágrimas não choradas, dos muitos barcos, dos que nos acenam boas vindas e despedidas. Passam lá bem em cima e só os vemos se olharmos. De repente, a lebre por mim, o chão em baixo e no fim sem chão, a orelhuda criatura a voar rasante sobre tudo aquilo que sempre me pareceu terra firme, quase a arrancado com os poucos e leves toques que lhes dá, diria que indispensáveis. Ai, as lebres batem os aviões. Batem batem!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Permaneço. 44. Acabaram-se as cartas de amor.


Não há mais lugar para a expectativa, a que horas virá o carteiro buscar esta carta que agora entrego. Não há mais contas de cabeça para os dias que tardarão até que do outro lado surja a moção de uma resposta. Nem de imaginar se o perfume, as lágrimas, a bondade que pusemos naquele envelope chegarão intactos às outras mãos, que são as que queremos e não temos.

Mesmo neste momento complexo, em que me roubam este marco do correio, sinto em mim a glória das cartas de amor que escrevi e recebi.

Penso que ninguém vai sentir a falta deste marco, mais um, a que arrancam agora as raizes. Afinal, quem escreve ainda cartas de amor?

domingo, 18 de novembro de 2012

Permaneço. 43. De repente, uma mulher


A escala perfeita desenhada pelos degraus em caracol é, no percurso descendente do topo do farol interrompido. Uma mulher dobrada sobre si própria está ali, feita concha, e não deixa passar. É fotografia inevitável, é admiração, é abismo.

É também silêncio.

"Aprende-se com o belo a falar baixinho".

Permaneço. 42. A idade do mar.

Tudo é mais novo que a areia e a rocha é de todas as coisas do mar a mais nova. A idade do mar é a do mundo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Permaneço. 41. Carta inesperada.

"Acordei cheinha de saudades dos meus amigos. Por cada saudade como se fossem papelinhos com nomes a sair de um chapéu, por cada saudade um pestanejar de olhos razos de agua mas logo logo uma memória que traz um sorriso e me envolve numa manta de carinho.

Há momentos assim, como se estivesse frente à lareira a desfolhar um álbum de fotos antigas.

Os amigos que preencheram a minha vida de momentos e pintaram de cores garridas os meus dias.

Desfio as lembranças e se bem que há momentos de dor e agonias mundanas, enlevo-me na recordação dos sorrisos e dos gestos maravilhosos que pude assistir, partilhar.

Deixando que tocassem a minha alma sem dar conta deixei que a permanência do melhor de cada um hoje brotasse em mim como uma onda de carinho."