sábado, 22 de dezembro de 2018

Intensamente parado

Silenciosa Música do Cosmos

As bocas que estão fechadas
não estão caladas

Os braços que estão caídos
não estão imóveis

E os olhos que estão voltados
não estão sem ver

Homem só homem só
tu bem me compreendes quando digo
que não estás só
e bem entendes bem entendes
este longo discurso enchendo o ar
que vem de toda a parte e vai a toda a parte
eternamente
em surdina

(Mário Dionísio)

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Pedras que falam, penedos surdos

Viajamos até longe para ver e ouvir pedras que temos por sábias. Para os sábios que muitas vezes temos ao lado somos autênticos penedos.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Para João Lobo Antunes

In memoriam, dois anos depois da sua morte


João Lobo Antunes
Nada nem ninguém segura uma pessoa quando o destino e a morte a reclamam de forma veemente. A Mafalda escapou-se-nos por entre os dedos em Agosto de 88, com um aneurisma no tronco central do cérebro, no Hospital de S. José. As primeiras mãos em que toquei, o primeiro beijo, a primeira casa, o casamento daí a três meses. Tentámos encontrar o João LA mas ele estava de férias. O Dr. Resina Rodrigues, irmão do meu grande professor Pe. João Resina Rodrigues, foi-se dando por vencido, ao perceber a sua impotência no caso. Era inoperável. Anos mais tarde calhou-me a mim a sorte das urgências da CUF, com suspeita de tumor cerebral. Já conhecia o João LA melhor, entrevistei-o duas vezes e convivi com dois irmãos seus. No meio do que me pareceu uma trombose, saí para a rua a arrastar uma das pernas, meti-me num táxi e fui para a CUF. Não queria repetir o insucesso em encontrar o João LA no caso da Mafalda. E lá estava ele à minha espera, eu paralisado já do lado direito, boca à banda. Olhou para a TAC e falou comigo. Se tens um tumor temos de tirar, mas eu penso que não tens. Para já, tens de sair para sempre do sítio e das pessoas que te fizeram isto. Deu-me um papel e uma caneta para escrever o meu nome e eu não consegui nem a primeira letra. Um mês longe de casa, bem longe arranjar uma nova vida em Lisboa. Depois chamou a mulher com quem eu estava casado e perguntou-lhe o que é que você lhe fez. Fui para Guimarães e nas minhas costas ela fez-me o pior, estabeleceu as bases da minha ruína sem qualquer pudor. O João LA chegou lá primeiro, depois aprendi a viver com a hidrocefalia que pelos vistos tenho desde que nasci. Não sei se estou a faltar-lhe nalguma coisa por estar a revelar pela primeira vez uma conversa privada, mas é a forma que encontro para fazer uma homenagem ao médico gigante e ao grande amigo que soube ser. Encontramo-nos aí em cima, João. Obrigado.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Sobre amor e desejo

Na língua natural do amor:

Au bout de l’amour il y a l’amour.
Au bout du désir il n’y a rien.
L’amour n’a ni commencement ni fin.
Il ne naît pas, il ressuscite.
Il ne rencontre pas. Il reconnaît.

Il se réveille comme après un songe
Dont la mémoire aurait perdu les clefs.
Il se réveille les yeux clairs
Et prêt à vivre sa journée.
Mais le désir insomniaque meurt à l’aube
Après avoir lutté toute la nuit.

Parfois l’amour et le désir dorment ensemble.
Et ces nuits-là on voit la lune et le soleil.

(Liliane Wouters)

sábado, 8 de setembro de 2018

Ama-se a palavra

"Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas".

Agustina Bessa Luís, Contemplação carinhosa da angústia, Guimarães Editores, 2000.

domingo, 26 de agosto de 2018

Espaços

Para quem está há muito confinado a uma gaiola, o mundo exterior, sem prisões, é medonho ou mesmo mortal. Mas as gaiolas não têm janelas, o interior é também o exterior. Estar confinado é opção. Muitas vezes a mais confortável. É por isso que a clausura não deve escandalizar ninguém. E não há maior escândalo que a liberdade.
(RdP)

domingo, 19 de agosto de 2018

Arigato não é obrigado em japonês

Arigato em japonês, obrigado em português, mas etimologias radicalmente diferentes. Arigato vem de arigatai, ari/aru quer dizer ser/existir, gatai quer dizer difícil de fazer. O nosso obrigado vem do latim obligatus e significa uma espécie de dívida pessoal, e por isso tem género, obrigado e obrigada. Arigato é uma palavra japonesa muito antiga, remonta a muito mais tempo do que a chegada dos portugueses ao Japão. É por isso errado atribuir-lhe influência nossa.

domingo, 8 de julho de 2018

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Fadinha que andou outrora

Parabéns. Há 30 anos exactos dançámos pela última vez, depois dançámos as vezes que quisemos, sempre que quisemos. Mas nunca mais te acendi as velas nem o sorriso nem o olhar. Talvez por isso nunca mais dançámos. O piano da avó ficou quieto, o teu quarto deixou de cheirar a pincéis húmidos. Trinta anos e ainda não tenho coragem de te chorar. Trinta anos e ainda não disse que merda de vida.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

"Tanto de meu estado me acho incerto"

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, justamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil anos, e é jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém por que assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Luís de Camões

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Sou mar.

Por debaixo de minha casa corre um fio que sai de mim e está sempre no mar.

Eu.

Beijo salgado, abraço concha, coração cavalo-marinho, mãos areia.



quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Deus brinca

"(...) Não me perguntes porque se mata o sol na lâmina dos dias e o meu mundo continua à tua espera, houve sempre coisas de esguelha nas paisagens e amores imperfeitos; Deus tem as mãos grandes."

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

A ilusão do cedo

Acordar antes do amanhecer é uma das muitas graças do inverno. A sensação do dia maior e da noite que me perscruta. A vantagem de ver com os próprios olhos todo um mundo que continua na sua girândola, os jogos e as pessoas, interditos, e a dizer-me ao ouvido não fazes falta.

(PaT)

domingo, 7 de janeiro de 2018

Epifanias

África, Ásia, Europa. A proveniência dos três reis magos e os únicos reinados então conhecidos, anunciados no salmo, vagamente descritos no relato do evangelho de S. Mateus. Entretanto avançou-se muito no estudo e fundamentação da que foi a primeira revelação universalmente aceite de um messias. Consta dos escritos de todas as confissões religiosas, gurus e líderes espirituais. Claro que ter nascido é fundador, mas é notável que se conheça a história do que primeiro o anunciou, S. João Baptista. E claro que nem sequer teríamos sabido do nascimento se não tivesse sido revelado e transmitido. Siddartha e Krishnamurti são grandes líderes espirituais e os seus conhecimentos e filosofias permanecem. Mas nesta questão do nascimento de João Baptista e J.C. existe a enorme novidade de ter convivido e crescido com os demais. A epifania foi a primeira notícia globalmente difundida na história. Depois instalou-se a torrente dos juízos e razões dos homens, perfeitamente previsível. Tenho pena, intimamente gostava que fôssemos mais pacíficos e menos cartesianos. Mas isso, como tudo o resto, é subsidiário e único em cada um. A partir da epifania, ficámos mesmo por nossa conta.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Imperdoáveis

Somos imperdoáveis quando de dentro nos sai o contrário do que o mundo grita, e mesmo assim gritamos mais alto que o mundo.