domingo, 26 de março de 2017

Sempre as palavras

Não há mundo mais triste que o do silêncio. Seria tolerável se não me forçasse a abdicar das palavras e dos sons. Vive-se mais perto do inferno, é certo, porque a maioria das palavras são ditas fora do contexto e são as palavras erradas. Mas palavra que as palavras.

domingo, 19 de março de 2017

Que és um dia de verão não sei se diga

Soneto XVIII

Que és um dia de verão não sei se diga.
És mais suave e tens mais formosura:
vento agreste botões frágeis fustiga
em Maio e um verão a prazo pouco dura.
O olho do céu vezes sem conta abrasa,
outras a tez dourada lhe escurece,
todo o belo do belo se desfasa,
por caso ou pelo curso a que obedece
da Natureza; mas teu eterno verão
nem murcha, nem te tira teus pertences,
nem a morte te torna assombração
quando o tempo em eternas linhas vences:
enquanto alguém respire ou possa ver
e viva isto e a ti faça viver.

W. Shakespeare
(versão de Vasco Graça-Moura)

sábado, 18 de março de 2017

Vida e morte

Viver mas só mesmo se tiver de ser.
As folhas nas árvores os frutos maduros
A criança no baloiço.
O carro ao longe e o ruído com cheiro
O pó irritado cria e apaga o rasto
A nuvens que mudam.
O aparo que parte no papel
As muitas cartas de amor,
Escrevê-las quando ela está ao lado
E quando o fio corre por debaixo.
Cheiro a cinzas, canela e jasmim
E os figos três horas em natas,
A bóina com as marcas dos dedos
O chão sem peso
O tomilho-limão
E o leite-creme de alfazema.

O que é eterno já está.
Posso morrer.

quarta-feira, 8 de março de 2017

sábado, 4 de março de 2017

Céu e sangue

“(…) Pomos os olhos nas extremas imaginadas das paisagens planas e distantes, aprendemos desde pequenos que isso é bom. O mar. A planura. As serras lá ao fundo. O casario reticulado e indistinto. Tendemos a ficar, tal é a sensação de que é aí que está um certo deus, tal como a noite a que damos as boas vindas e nos entregamos pacificamente. Antes dessa recompensa temos o tempo e o trabalho de ver o chão que pisamos e se é o nosso ou o que roubámos a alguém, mesmo sem saber. Logo a seguir, ver se chegámos ali naturalmente ou se acotovelámos alguém para encaixar. É que só no que verdadeiramente nos pertence pode cair a gota de sangue. De nada adianta o belo que nos rodeia se não lhe pertencemos. (…)”
MdM