sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Px Nuvens

É preciso saber de cor uma nuvem para a conseguir pintar. Para a fotografar é preciso mais, construir todo o seu mapa. Só então se percebe que a dificuldade vem de no seu âmago a turbulência ser o único fenómeno sensível. Conhecê-la passa a ser admitir a sua mutação.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

RdP Permanecer e preservar

Vim do funeral com a ideia fixa de num caixote daqueles da rua deitar tudo o que podia lembrar-me dela viva. A única coisa que queria viva em mim era a memória dela, de nós e do que podíamos ter sido. As aguarelas, os pequenos papelinhos, as fotografias, os slides, foi tudo. A cada ano que vai passando acho que fiz muito bem. Não havia nada para mostrar, assim como não há. A latência de uma coisa muito viva, de uma ferida que não era nem é para sarar, era isso que queria que permanecesse. Tudo o que realmente aconteceu e senti ficou intacto em mim. Que é onde deve estar.

segunda-feira, 4 de março de 2019

MdM

“(…) Pomos os olhos nas extremas imaginadas das paisagens planas e distantes, aprendemos desde pequenos que isso é bom. O mar. A planura. As serras lá ao fundo. O casario reticulado e indistinto. Tendemos a ficar, tal é a sensação de que é aí que está um certo deus, tal como a noite a que damos as boas vindas e nos entregamos pacificamente. Antes dessa recompensa temos o tempo e o trabalho de ver o chão que pisamos e se é o nosso ou o que roubámos a alguém, mesmo sem saber. Logo a seguir, ver se chegámos ali naturalmente ou se acotovelámos alguém para encaixar. É que só no que verdadeiramente nos pertence pode cair a gota de sangue. De nada adianta o belo que nos rodeia se não lhe pertencemos. (…)” MdM

sábado, 23 de fevereiro de 2019

O que podes controlar

Podes controlar:

1. Aquilo em que acreditas
2. A tua atitude
3. Os teus pensamentos
4. Os teus pontos de vista
5. A tua honestidade
6. Quem são os teus amigos
7. Os livros que lês
8. O exercício que fazes
9. O tipo de comida que escolhes
10. Os riscos que corres
11. Como interpretas cada situação
12. O bem que fazes aos outros
13. O bem que fazes a ti próprio
14. As vezes que dizes “gosto de ti”
15. As vezes que dizes “obrigado”
16. Como exprimes os teus sentimentos
17. Se pedes ajuda ou não
18. Se praticas a gratidão
19. As vezes que sorris
20. O esforço que fazes
21. Como gastas ou investes o teu dinheiro
22. O tempo que gastas a preocupar-te
23. As vezes que pensas no teu passado
24. Se julgas ou não os outros
25. Se depois de uma desilusão voltas a tentar
26. O quanto te contentas com o que tens.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Acabou-se o tempo de pensar no tempo

A universalidade do tempo não é o que parece e a vida na terra para os mais velozes não se cinge apenas a mudar de fuso horário. O tempo está por toda a parte, principalmente dentro de nós e se sabemos quanto medimos, devíamos saber quanto demoramos e às quantas andamos.

Falta pouco para o tempo se tornar oficialmente dimensão. Somos circunstância única, a todo o momento, nós imperfeitos e irrequietos seres humanos, e tantas fizemos que acabámos por perceber que comprimento, largura e altura - leia-se x, y, z - têm mais o amigo tempo, inaugurando formalmente a assumpção de que não se trata mais de uma espécie de etiqueta acessória, como se de uma curiosidade se tratasse, para juntar à chamada localização espacial. Tudo é tempo também. Sem o tempo, deixaremos de estar, de ser e de provar que estamos onde estamos. Por outro lado, estaremos muito mais à vontade e esclarecidos sobre o que a vida nos mostra e sobre a forma como afinal a vivemos. Duas pessoas de mãos dadas podem estar em realidades bem diferentes, cada uma em seu registo, e há constatações que só não fazemos porque não queremos. Quando estamos ansiosos em relação a alguma coisa ou alguém - o nascimento de um filho, por exemplo -, sabemos que o tempo é o mais lento de todos e não há como encurtá-lo, espécie de deserto de todas as provações que temos de suportar devagar e com detalhe de ourivesaria. Registamos tudo e tudo nos parece supérfluo, aquilo que verdadeiramente desejamos que aconteça insiste em não acontecer. A novidade é tão grande quando se consuma que quase temos de alterar tudo para abranger o choque do inteiramente novo. Nem tem de ser dramático, pode até ser a espera para uma consulta médica, o muro é alto e forte até que de um momento para o outro se desmorona, sem som nem ruído, como se nunca lá tivesse estado. No extremo oposto está aquela situação em que todos já nos vimos de uma forma ou outra, atrasados para um compromisso, apanhar um avião ou ir buscar os miúdos à escola. Dávamos a alma para ser senhores do tempo e travar todos os relógios mas nada feito, em vez disso há uma espécie de conspiração, todos em conjunto decidiram acelerar e tramar-nos até ao fim; não há estado anímico que nos puxe para cima e devolva a autoestima, vamos mesmo ao tapete, KO técnico do tempo de que só nos livramos com lágrimas, gritos, ou reacções disparatadas como por exemplo mentir. Depois das crises - há sempre um depois em todas as crises - o mundo volta a ser colorido e as caras para que olhamos voltam a parecer sorridentes. O tempo tem tempos terríveis e o peso gigante da tristeza enterra-o nas funduras mais profundas da existência. Além de não ser recomendável estarmos tristes, a tristeza é avassaladora e mete-se no relógio, a vida interior das emoções distorcidas fica desproporcionada em relação ao tempo que pelo efeito depressor insiste em não passar. E passa depressa demais quando estamos apaixonados por alguém, felizes com algum acontecimento ou eufóricos por uma qualquer esperança que alimentamos.
O tempo é também a consciência dele e se somos feitos de emoção, é isso que o tempo é: emocionante. Einstein desenvolveu ele próprio várias analogias das suas teorias da relatividade - restrita e geral - para conseguir explicar a leigos e não-iniciados o assunto central da relatividade e do tempo. A mais cândida e simples instrução que deu a certa altura à sua secretária para comunicar rapidamente o significado da relatividade, foi a de que uma hora sentado no parque ao lado de uma mulher bonita passa em cinco minutos, enquanto um minuto sentado em cima de um forno quente parece uma hora. Descontado o lado divertido, é exactamente assim que as coisas se passam. Usamos relógios para cronometrar os acontecimentos mas na verdade cada um vê o que se passa no seu próprio relógio, a sincronização é um desafio tenebroso, de que decorre grosso modo que no limite o tempo é mesmo subsidiário, cada pessoa ou grupo de pessoas tem o seu. Demonstrada e estabelecida que ficou a teoria da relatividade restrita de Einstein em 1905, pouco mais de uma década depois surgia a teoria geral da relatividade, postulando o espaço-tempo como curvo, aspecto que não cabe aqui evocar, mas expondo a evidência inelutável de que o tempo é uma dimensão natural do espaço. A matemática portuguesa do Instituto Superior Técnico Ana Cannas da Silva, actualmente a trabalhar na famosa ETH de Zurique, a mesma onde oficiou Einstein e outros cientistas notáveis, ocupa-se de sondar e demonstrar o tempo como dimensão do espaço. A geometria simplética, de que é especialista profunda e que basicamente consiste em reduzir à forma mais simples certos problemas para pela geometria chegar a soluções. Estamos a simplificar demais, claro, e claro que é tudo menos simples, mas é confortável saber que há uma portuguesa excepcional na crista da onda do conhecimento do tempo e do quanto nos pode simplificar a vida. O psicólogo Vítor Rodrigues desenvolveu o assunto do tempo num quadro que nos parece ainda mais inverosímil do que o da curvatura do espaço-tempo: a estupidez humana. Há mesmo uma área do conhecimento e pesquisa que se dedica ao estudo dessa-outra existência que é aliás transversal e comum a todos nós. Na sua tese de doutoramento, teoria geral da estupidez humana, mostra como a estupidez pode fazer ganhar tempo. O caso do despertador que toca e um homem adormece, para acordar meia hora depois e dizendo mal da vida, de tudo e todos faz a barba, toma banho, veste-se e conduz, tudo num décimo do tempo normal e ainda chega ao trabalho mais cedo do que o normal. Quanto mais rápido andamos no espaço, mais devagar andamos no tempo. Resultado que todos experimentámos na pele pelo menos uma vez.
O assunto do tempo aproxima-nos do conceito de Deus, das igrejas e dos seus líderes e de certa forma interferir ou sequer tentar perceber é um pouco como “brincar a Deus”. As inquisições condenaram e mataram muita gente por desafiar a regra divina dos dias contados e dos calendários estabelecidos. Foi contundente e marcante, contudo a bula “inter gravissimas” publicada em 1582 pelo papa Gregório XIII. Apoiado em estudos e pareceres dos astrónomos seus consultores havia que ajustar a duração dos anos. Portugal, diligente e obediente, adoptou de imediato o calendário que é ainda aquele por que nos regemos. Nele estão contempladas singularidades como a duração dos meses e o ajuste dos dias do mês de Fevereiro, que de quatro em quatro anos tem menos um dia que nos restantes. É notável a resistência que ao longo de mais de quatrocentos anos as nações ofereceram ao calendário gregoriano. A China foi a última, em 1949 a reconhecer e adoptar o andar global do tempo de acordo com o calendário gregoriano. Temos neste momento o mundo inteiro a reger-se por uma base de tempo que lhe permite comunicar, viajar entre pontos distantes sem descontinuidades. É notável que tenha decorrido tanto tempo até que o tempo se estabelecesse finalmente como base e plataforma, sem misticimos nem preconceitos. Mas é também notável que se tenha chegado a um mundo com um tempo apenas e que tenha nascido de pressupostos científicos e confirmado depois na vida das populações. O almirante Gago Coutinho, homem esclarecido e de ciência, não só teve dúvidas como ofereceu grande resistência à teoria da relatividade de Einstein, mas acabou por se lhe render. O próprio espírito científico que o animava levou-o mesmo mais longe e acabou por publicar um livro onde explicava com a simplicidade dos grandes divulgadores de que tratava e constava a relatividade e as implicações no tempo e na observação dos fenómenos. O livro é pequeno mas conciso e depois de expor através de capítulos temáticos, diagramas e desenhos, conclui com uma mensagem apaziguadora para o leitor: a de que à velocidade a que normalmente nos movemos na terra, em comparação com a velocidade da luz nada nas nossas vidas se altera significativamente. Sabemos hoje que é ao contrário. E como.