quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Permaneço. 23.

Os dedos entram e saem da pedra, intactos e inviolados. Fica tudo como estava, tirando o movimento em si, que acumula compassos como se de um contador se tratasse. Relógio de areia maquinado por ser humano, paragem misteriosa que não rende distância mas antes ciclos. As arestas das pirâmides foram limadas pelo tempo do lado de fora e acabadas por mãos sábias do lado de dentro. Gárgulas, cordas arcos tubos tudo dentro dos blocos que não deixam ver. Normal que assim seja, é por isso que o corpo dos crentes venera a pedra e traz a cruz ao peito. A pedra é futuro, a cruz é passado. A pedra obriga a ver, a cruz força os olhos a fechar-se. E é na pedra que descubro o futuro dos antigos por que ainda não passámos, latim dizem eles soberbos, fixando-se apenas nas catedrais. Vinhetas insólitas cinzeladas pelos dedos que entram e saem, duas vezes furo três vezes relevo quatro depressão etc. Calcula-se assim exactamente o tempo gasto em cada detalhe, em cada pequeno fruto suspenso daquele pomar que na pedra tumular representa a própria vida e isso é a pedra. Dentro de facto decorre a transformação do alabastro na essência de que são feitas as almas, na areia mais fina, que se respira e nos restaura a profunda alegria que representa viver. A pedra é vida em estado puro, imanente e transmutante. Os seus átomos vibram sem cessar numa dança fecunda e imparável, quase ritual. Há dedos de gigante por isso, deve haver!, que entram e saem também eles numa pedra maior, angular. Saiu a certa altura a cruz de madeira como se fosse mais leve e transportável para cumprir o suposto desígnio do cristo. Falácia histórica, catástrofe de leitura dos tempos. Foi a pedra que fez do maduro Jesus o Cristo, nunca o madeiro da cruz onde o cravaram. Este serviu para duas coisas apenas, instalar a bicharia que transforma a madeira em nada defecando-a, e ser ostentação de reis e senhores na forma de ridículos e muito mortos pedaços. Pensar que foram tão longe os cavaleiros alvos e que inventaram a lógica do madeiro do último suspiro do cristo para não reconhecer que tudo tinha sido em vão. São vaidosos os homens, os puritanos sobretudo. Mas foi tudo em vão na terra santa, vaidade alguma saiu vitoriosa no processo do cristo. A pedra sim, venceu. O túmulo preparado por José de Arimateia continha dentro a matéria viva que vive também nas angulares das pirâmides, fervilhantes de ansiedade, por fora a lisura preparada pelo tempo. A colossal tampa saiu do seu encaixe pela mão do gigante, a alquimia dos antigos fê-lo voejar em direção a tempos diversos, e começou o cristianismo. Não na cruz, nunca na cruz. Na pedra, sempre na pedra. O nosso cristo, o adorável cristo, o prodigioso cristo, ressuscitou na pedra de Arimateia, discípulo fiel dos reis magos, o mesmo que nos trinta anos de oriente fez do menino depois jovem depois homem o santo mais esclarecido da história. 

Escandaloso José, depois do outro, o pai do cristo, ter aceite entregar o seu filho, à turba e ao destino. Este de Arimateia, assistiu sempre a tudo. Nunc Dimitis no templo, ao lado de Maria depois, colado a Maria Madalena para a eternidade. Sombra mística, glosada depois na gruta luminosa que absorveu o salvador para o cosmos. Não me importava que fosse o José-pai, silencioso sofredor, o único homem de fé ao lado de todos os outros que até hoje a professaram. Que fazia ele ali, nos diversos ali que nos foram transmitidos, tantos lugares, tanto segredo? O mesmo José que interpelou os caminheiros de emaús, o mesmo José que mandou cumprimentos para o amoroso João da Cruz, através dos seus coadjutores, o mesmo José que soube da tragédia do fim do seu filho e impotente e com paciência superou, luz da fé infinita, o mesmo José que entrava e saía dentre os grandes do seu tempo e templo como se fosse portador de salvo-conduto sagrado, sacramento, mas o mesmo José que nada sabia, o mesmo José que nunca conseguiu perceber.

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