sábado, 6 de outubro de 2012

Permaneço. 34. Quem vive a vida I.

Não é verdade. Eu ligo eu digo eu liguei eu não disse, eu nunca disse deves-te lembrar do que disse eu lembro-me como se fosse hoje. Respiramos o tempo, digerimos o nosso autismo e o resultado é o ser individualista, que nem espelho admite, portanto imagem própria sequer, que sistematicamente se verte sobre si próprio. Regressa a si sem nunca de si ter saído. Difícil, escrever com a Patética nos ouvidos, a puxar-me tanto para dentro também a mim, para o meu piano e para o aconchego das horas sem fim a ensaiar para os improváveis e dispensáveis concertos de outrora. Por outro lado, à medida que o texto anda anda o tempo também e os dedos neste teclado que me resta mas no qual me satisfaço tanto ou mais do que no outro, tapete mágico preto e branco que me levava para nunca. Deste texto sai música que nem é minha, mas que não existe sem que eu percuta as teclas desta espécie de acordeão plano. Que é o tempo, que é este tempo, e quanto tempo é aquele que me roubaste, me roubaram ou me deram e tiraram. Penso que não é admissível viver de memórias, e totalmente inadmissível viver de memórias do que não se teve. Segundo andamento, quanto custa saber como tudo acaba e mesmo assim não conseguir resistir a fazer a música sair dos dedos. E acaba mal. Acaba sempre mal. Morre-se. Termina. Dói muito de dor imensa. Era tão menino quando aprendi a Patética e sonhei tantas vezes que no fim havia um par de braços incondicionais a abraçar-me e envolver-me. Que nunca houve. É preciso descobrir quem vive a vida intensamente, a ponto de se sentir amparo e amparado – fim último da vida – e ao mesmo tempo profundamente realizado. Imaginei que seria um abraço forte e apertado aquele que me daria uma vida inteira a viver. Talvez seja. Mas envolve-me tão mais a luz da tua presença, apesar de não te ver há tanto tempo. Então, para que serve negação? Para quem a mentira.

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