sábado, 13 de outubro de 2012

Permaneço. 40. De elétrico para a Graça.



Não há janelas num mundo sem luz. Nada entra nem sai, onde as trevas se impõem. Mas quanto se deseja uma, quando o mesmo espectáculo se oferece, a cada passo que se dá. Vai-se vivendo ou morrendo, quem sabe o que o futuro nos oferece, ou se nos é oferecido o futuro e não queremos olhar para ele.

De dentro para fora, é tudo num homem que se conhece, e de tudo passa para uma coisa pequenina, quando lhe parece vislumbrar uma janela, só não vê de quê, uma casa, o mundo , um eléctrico, é um eléctrico sim, que o vai levar à janela, ou onde vai com a sua janela, a escorregar irresponsavelmente num caminho a subir em vez de a descer, ao contrário de tudo o que indicam como o que deve ser.

No eléctrico, sim, encontra uma vendedora de flores, não quer uma, não obrigado, não teria onde a pôr, mas quem lhe disse que se a quisesse eu lha vendia, porque não, porque tem significado nulo a flor colhida de um bocejo. Sorria quando quiser uma flor, e eu logo lha darei, a troco de nada, só para o ver feliz; a quem a dava, dava o quê, a flor, raios, que longa vai a conversa e tão simples que devia ter sido não fôssemos nós a pensar tanto em tudo o que não somos nós, e o eléctrico já a chegar ao cimo, saímos e passeamos, não, eu não posso abandonar o eléctrico, porquê, se não aceita a flor não fico admirada que não aceite as minhas razões, chama a isto razões, não, chamo razões às que fazem com que eu queira ficar no eléctrico e o senhor comigo, até vê-lo desejar uma flor.

O silêncio durou um pouco primeiro, depois cada vez mais, depois mais ainda, e dois dias depois era o silêncio que reinava, quando ele fez o primeiro gesto, como se se quisesse pôr de pé. Mas não, levantou só a cabeça, nem reparou que já não estava lá ninguém, no eléctrico nem lá fora porque já não tinha a sua janela para se refrescar.

No choro em que rompeu alagou o mundo, e a ele, tudo molhado mas seco para ele, as lágrimas secam muito mesmo quando se tem bom coração, não quero secar disse para dentro, que não se atrevia a falar, pelo menos enquanto tenho esta esperança, mas que esperança, parecia-lhe dizer a água, a de me encontrar, e fazer vibrar o meu coração como sempre quis, e agora sei. Mas que podes saber, de ti para ti, que pelo menos há uma flor para mim, e que vês na flor, a voz da água parecia materializar-se cada vez mais, é a minha sobrevivência, a certeza de não soçobrar, as minhas janelas todas, o meu palácio, e esperas tudo isso de uma flor, não espero, sinto que é mesmo assim, então olha para mim.

De cabelo mais curto, mais sedoso, vestida de fada e quente como uma pedra ao rubro, oferecia-lhe a vendedora de flores a sua flor, que depois de oferecida se fez numa luz que sorrindo nunca se tinha visto, secou tudo, temos que ir, o eléctrico que decida, e andou, começando a marcha descendente, quanto tempo estivemos ali, nenhum, não passou tempo nenhum, não te importes com isso, que não há tempo na eternidade.

Desceram mas não voltaram para de onde vieram, giravam agora em torno de todos os que lhes faziam falta e, peças imobilizadas mas com vida, lhes acenavam com movimentos dos olhos. Quanta paz, quanto descanso, quanta segurança nestas voltas todas! É para sempre?

É para sempre.

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